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Crise dos grandes varejistas de livros: está na hora de repensar o modelo de varejo

Atualizado: 24 de jan. de 2019

por Patricia Sant’Anna e Vivian Berto


No final do ano passado, as notícias sobre a crise das grandes redes de livrarias Saraiva e Livraria Cultura chocou muita gente. Quase concomitantemente, a primeira fechava mais de 20 lojas, enquanto a segunda pedia recuperação judicial. As duas são as principais redes de livrarias do país e se espera um impacto no setor livreiro devido a esses ocorridos.


Muito foi apontado que isso se deve ao hábito dos brasileiros de ler pouco e também consequência do cenário nacional da economia dos últimos anos. O crescimento da venda de livros por e-commerce e os livros em plataformas digitais também foram elencados como desencadeadores da queda da venda de livros. Mais tarde, ficou evidente que problemas de gestão também foram responsáveis pela crise nestas lojas (e talvez seja realmente o grande vilão da história).

Mais do que compreender o setor de lojas de livros, vale a pena percebermos que essa crise pode acontecer com outras áreas, incluindo moda e alimentação. Isso se dá devido aos modelos arcaicos e não mais condizentes com a contemporaneidade que temos no cenário cotidiano dos negócios.


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Novos modelos de varejo

Embora todas as alternativas sejam parte da crise que desencadeou nas livrarias, o mercado livreiro tem apresentado grandes mudanças nos últimos anos que as redes não necessariamente acompanharam. Assim como outros setores do varejo, o mercado livreiro tende a tornar seus canais de venda cada vez mais difusos, capilares. Feiras pequenas e especializadas, sites e influenciadores (que não raro são também vendedores) na internet, clubes de assinaturas, lojas menores. Nesse sentido, a ideia de redes de grandes varejistas, com megastores, que tentam contemplar todas as áreas de publicações de livros (e papelaria, informática, games, cinema, música...), faz cada vez menos sentido para a experiência do consumidor atual.


Assim como outros setores do varejo, o mercado livreiro tende a tornar seus canais de venda cada vez mais difusos, capilares.

Primeira coisa a se notar: a maneira do mundo consumir mudou. Os livros não seriam exceção. O trajeto de decisão do consumidor é mais longo, complexo, e prenhe de informações das mais variadas para gerar a sua decisão. Portanto, comprar hoje é uma ação mais complexa, diversa, informativa e que leva em consideração a experiência durante todo o trajeto. Isso serve para qualquer área, da venda de alimentos a imóveis, passando por carros, entretenimento, viagem, moda e livros. Todo e qualquer bem de consumo, seja produto ou serviço, hoje tem um cenário mais complexo para se vender.


O crescimento de pequenas editoras, por exemplo, é uma dessas mudanças. O mercado editorial brasileiro, dominado por poucas e grandes editoras, tem, hoje em dia, experimentado uma ampliação relevante na concorrência. Essas novas editoras atendem aos públicos que desejam livros como uma forma de experiência. Elas fazem o que as grandes editoras deixaram de fazer: edições com design editorial arrojado e muito criativo. Ou então republicam clássicos (de domínio público) que há muito não são publicados em edições lindas, feitas com muito primor e amor pela literatura e pelo objeto livro – como a editora Carambaia. Editam livros de artistas. Atendem nichos desprezados pelas grandes editoras, como por exemplo as editoras especializadas em literatura africana e afro-brasileira, como a Kapulana ou a Nandyala.


Essas novas editoras atendem aos públicos que desejam livros como uma forma de experiência.

Neste novo cenário, quem é criativo e rápido sai na frente. Veja o sucesso da Tag Livros, que edita título inéditos ou fora de circulação há muito tempo e os entrega, numa edição de capa dura caprichada (para qualquer amante de livros), todos os meses na porta de seus assinantes. Outras empresas surgiram no mesmo modelo de negócios, inclusive abrindo nichos específicos, como os clubes de assinatura de livros evangélicos Jesus Copy ou Holybox.


No 13º Seminário de Tendências, a Tendere mostrou que a geração Z volta a ler livros com mais frequência (e deleite) que a geração anterior. No entanto, é também uma geração que gosta do elemento de co-criação em sua experiência de compra. Desta maneira, as plataformas de escrita como a Kindle Direct Publishing, Kobo Writing Life, Wattpad, dentre muitas outras, são o local em que essa geração busca por livros. Ter em vista essas mudanças no comportamento do consumidor é essencial para permanecer no negócio.


A geração Z volta a ler livros com mais frequência (e deleite) que a geração anterior. No entanto, é também uma geração que gosta do elemento de co-criação em sua experiência de compra.

Modelo de negócios predatório?

Tanto a Saraiva quanto a Livraria Cultura estavam atrasando o pagamento de seus fornecedores, as editoras, desde pelo menos meados de 2017. Ao todo, as dívidas estimadas da Cultura eram, em dezembro do ano passado, cerca de R$ 285 milhões, e a Saraiva, R$ 673 milhões. Grandes editoras, como a Companhia das Letras (da qual 70% da empresa está nas mãos da britânica Penguin Books), conseguem cobrir o “rombo”. Mas as pequenas e médias editoras não, sendo assim as mais prejudicadas – elas estão se unindo para ter mais poder de pressão sobre as varejistas para quem honrem os pagamentos.


Essas, por sua vez, acabam atrasando o pagamento de seus colaboradores e fornecedores. Os grandes varejistas acabam prejudicando toda a rede criativo-produtiva do mundo editorial, isto é, editoras, fornecedores de papel, gráficas, ilustradores, autores, etc. saem todos prejudicados, porque passam a não receber pelos seus respectivos trabalhos.


Pressionadas pelas livrarias, as editoras acabam atrasando o pagamento de seus colaboradores e fornecedores. Os grandes varejistas acabam prejudicando toda a rede criativo-produtiva do mundo editorial.



O modelo de varejo de livros consiste em pelo menos 80% das vendas por consignação, segundo esta matéria. Isso espreme as editoras, que têm que pagar na hora para seus fornecedores, e vão receber só depois (se receberem). Com a crise, deixa-se de pagar, embora as editoras não deixem de fornecer, dada a certa dependência que o setor ainda tem dessas lojas. É um modelo, certamente, predatório. Utiliza do poder dos grandes varejistas de maneira que seus fornecedores acabam reféns do que lhes é imposto. Não se respeita a cadeia de produção do livro: o varejo é que estipula as regras do jogo.


Não podemos deixar de ver uma semelhança entre esta característica no setor livreiro, por exemplo, com as empresas de grande porte do varejo de moda. As grandes varejistas pressionam seus pequenos e médios fornecedores a só receberem depois de 30, 60 ou 90 dias, isto é, depois que o produto já foi vendido na loja (além, é claro, da pressão por preços sempre mais baixos). Por outro lado, os fornecedores das confecções (de têxteis, aviamentos etc.) exigem o pagamento em dia. É uma cadeia que vive em crise e que demonstra que mal se sustenta.


Não podemos deixar de ver uma semelhança entre esta característica no setor livreiro, por exemplo, com as empresas de grande porte do varejo de moda.

Assim como o universo dos livros, também novas formas de consumir já chegam e se instalam no mundo da moda. Do e-commerce à startups de assinaturas de produtos de moda (como a Clube da Lingerie, de marcas de nichos, ou especializadas em um só produto (por exemplo, a The Meias) a brechós especializados, da volta do costurar e fazer a própria roupa, a comprar de grifes internacionais pelo Instagram no mobile em outlets, enfim, as formas de comprar moda vão muito além de ir ao shopping ou ao centro de uma cidade em busca de um grande varejista de moda. Portanto, é uma crise que se anuncia.


Trata-se de um modelo predatório que não favorece a indústria criativa (seja de livros ou moda) no país e, a longo prazo, pode criar um efeito em cadeia que atingirá a todos. O cenário contemporâneo exige que é preciso repensar esse modelo típico em muitas das redes criativo-produtivas no Brasil, e fazer a relação fornecedor-varejo mais justa e proveitosa para os dois lados. Assim como o mercado de livros, o de moda está inserido na Economia Criativa – na qual está inserida a possibilidade de todos os lados ganharem no processo.

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