Vivian Berto de Castro
O carnaval é uma festa tradicional de origens pagãs na Antiguidade, domesticada, mais tarde, pela Igreja Católica. Transposto da Europa para a América Latina, unindo a festividade latina europeia aos ritmos africanos, se tornou a festa que todos amamos (ou odiamos!). O difícil é ficar incólume. Você já ouviu o clichê: “O ano no Brasil só começa depois do carnaval”.
Os bloquinhos de rua, elemento importante do carnaval brasileiro, surgiram a partir do “entrudo”, uma festa popular que mesclava brincadeiras nas ruas. Os blocos de carnaval como conhecemos hoje surgiram nas ruas do Rio de Janeiro no final do século XIX, espalhando, mais tarde, a festa para o restante do Brasil. A primeira marchinha, música específica para a festividade, data de 1899 – é o famoso “Ô abre alas” do cordão das Rosas de Ouro, composta por Chiquinha Gonzaga e cantada com facilidade pela maioria dos brasileiros.
No século XX, o carnaval de rua ganha espaço na cultura brasileira e se torna o braço popular do carnaval de salão, este herdeiro dos bailes mascarados parisienses. O samba cresce concomitantemente a este cenário, e na década de 1930 são criadas as disputas e desfiles de escolas de samba do Rio.
O carnaval de rua hoje
Hoje todas essas frentes do carnaval continuam relevantes e significativos no Brasil. No entato, foram os blocos de rua que mais se adaptaram às mudanças de comportamento das novas gerações, nos últimos anos. Eles ganharam um quê “hipster”, principalmente em cidades como Rio de Janeiro, São Paulo e Goiânia.
A ideia da “permissão” permeia o vestuário nessa época, em especial, o feminino. Teoricamente, é só nesses poucos dias do ano que somos liberadas para sair de glitter, transparências extremas, hot pants etc., além de fantasias infantilizadas (de unicórnio e sereia, especialmente). Fora isso, há as fantasias bem-humoradas, que, embora sempre tenham sido temática carnavalesca de rua, remetendo à brincadeira, se atualiza. Acaba trazendo a cultura do meme, e as piadas online invadem o mundo off-line, muito emprestado também do mais recente Halloween norte-americano.
A ideia da “permissão” permeia o vestuário nessa época. Teoricamente, é só nesses poucos dias do ano que somos liberadas para sair de glitter, transparências extremas, e hot pants, além de fantasias infantilizadas.
A moda segue o baile e apresenta, desde pelo menos os últimos dez anos, opções específicas para foliãs e foliões. Se a Farm foi uma das primeiras a vender fantasia de carnaval com um quê de informação de moda, hoje quase todas as marcas de moda rápida ou investem no look folia ou criam campanhas específicas para estimular a compra de produtos que já faziam parte da coleção (mas têm uma “cara” de carnaval).
No mercado de moda mais pulverizado, surgem também pequenas marcas de acessórios e roupas específicas para o carnaval, como a Borogodó ou a Siricutico no Carnaval, ou então as marcas nas quais esses elementos tomam importante fatia do mix de produtos, como a Karola Store. O importante nesses casos é o design diferenciado das grandes (produções menores podem acrescentar mais detalhes, por exemplo), e alguns diferenciais como o feito à mão, bandeira levantada pela Borogodó.
Diversidade, feminismo e sustentabilidade
Aliás, se a geração Z é quem está em peso nas festas de carnaval de rua, sua sensibilidade e seus valores têm transformado as festas. A sustentabilidade, o feminismo e a diversidade mostram-se desde a compra da fantasia até a maneira como o lixo será descartado, passando pelo comportamento durante à festa.
Àquela velha ideia de que no carnaval se pode fazer qualquer coisa – o que geralmente envolve muita festa, bebida, sexualidade mais liberada – é acrescentado o empoderamento de mulheres e pessoas LGBT+. “Não é não” e “Eu visto o que eu quiser, mas você vai respeitar o meu corpo”: a sensualidade exacerbada se une ao poder sobre o próprio corpo e as decisões. Essa fotografia do site Rio Etc. mostra bem o que significa unir as duas coisas.
“Não é não” e “Eu visto o que eu quiser, mas você vai respeitar o meu corpo”: a sensualidade exacerbada se une ao poder sobre o próprio corpo e as decisões.
A pluralidade e a diversidade também entram em pauta. Aceitar todos os tipos de corpos, gêneros e sexualidades é a ordem do dia. Não existe mais a ideia de fantasias permitidas ou não para determinado tipo de corpo – estar feliz do jeito que se é, é estar feliz no carnaval.
O discurso do sustentável adentra a festa junto ao da diversidade. Pequenas marcas sustentáveis oferecem para os consumidores opções condizentes com o posicionamento de não agredir o planeta. O bioglitter ou ecoglitter, feito a partir de celulose de plantas ou de minerais naturais, concorre com o tradicional produzido a partir do petróleo, o vilão da biosfera dos oceanos. Purpurine e Narooma são algumas das marcas que oferecem o produto para o mercado.
O discurso do sustentável adentra a festa junto ao da diversidade. Pequenas marcas sustentáveis oferecem para os consumidores opções condizentes com o posicionamento de não agredir o planeta.
Pode parecer estranho para outras gerações, afinal, dificilmente se pensava no papel despejado nas ruas a partir dos confetes e serpentinas. Em meio à sujeira acumulada pós-carnaval, esse era um lixo aceitável, ao contrário de latas, garrafas e copos. Não só era aceitável como era um termômetro da felicidade que passou por ali.
Já existem no mercado confetes e serpentinas biodegradáveis, geralmente feitos de papel de arroz, que dissolve em contato com água, inclusive, com o suor dos foliões. No entanto, enquanto essa alternativa não entra com força no mercado brasileiro como o ecoglitter, campanhas online têm alertado para o problema e proposto uma solução simples: use um furador de papel e folhas secas para criar o seu próprio confete. Afinal, sustentabilidade também é entendida como ter que botar a mão na massa e fazer você mesma(o) a solução. Mesmo nos dias de folia.
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