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Movimento Wellness e autoconsciência feminina

Feminismo e uma outra forma de olhar o próprio corpo tem mudado a maneira como nos relacionamos com ele. As empresas têm que entender essas mudanças.


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Foto por Yayan Sopian no Unsplash

Patricia Sant’Anna


Acabamos de terminar o Outubro Rosa, mês em que há um esforço global para o diagnóstico precoce do câncer de mama, uma das causas que mais mata mulheres no mundo (é importante destacar que, embora a doença também atinja homens, em minoria, a motivação das campanhas globais é só falam com mulheres cisgênero, o que poderíamos considerar um erro..). Não apenas o câncer de mama é alvo da campanha, mas também todo o espectro que está em volta da saúde das mulheres, do cuidado consigo mesmas e conhecimento do próprio corpo. Não basta promover auto-exame e mamografia apenas durante os 31 dias de outubro: é preciso olhar a saúde feminina de maneira holística.


Temos duas frentes principais que fomentaram esse debate sobre wellness feminino: (1) a busca por qualidade de vida (saúde, felicidade, harmonia, etc.) e (2) o feminismo engajado (especialmente o que se propaga na internet). Sobre esse segundo, temos visto uma nova forma de olhar para a saúde e bem-estar femininos nos último anos. O feminismo tem repensado não apenas os interesses das mulheres e a equidade de gênero, mas também retirado, gradualmente, vários tabus em relação ao corpo feminino, desde a contracepção até a sobrecarga de estresse que as mulheres têm em comparação aos homens, por coordenar equilíbrio do lar e trabalho, muitas vezes, totalmente sozinhas.


O motivo desta ampliação de agenda e foco em falar sobre o corpo e sua saúde, tem relação direta com o empoderamento que a autoconsciência do corpo dá às mulheres. Por isso, o Wellness feminino tem a ver com a não alienação em relação ao corpo e à saúde de mulheres.


Mas o que seria, efetivamente, Wellness? É um comportamento que é fundamentado na busca por uma vida sã e serena. Obviamente, como qualquer outro comportamento no mundo capitalista, torna-se rapidamente um comportamento de consumo, que compreende uma série de indústrias e empresas de diferentes setores – de cosméticos e beleza ao turismo, passando por academias, moda e muito mais –, todas essas interconectadas, e oferecendo soluções para o bem-estar. Embora discutido desde os anos 1980, como uma espécie de resposta ao cotidiano cada vez mais estressante do trabalho e da vida urbana, hoje a ideia de Wellness se torna mais disseminada, e é, definitivamente, uma potência de consumo extremamente relevante no mercado geral, e na indústria criativa em específico.


Saúde das mulheres: sobre engajamento, informação e disseminação de novos olhares sobre o corpo.

Se durante muito tempo muitas mulheres foram educadas a calar sobre o corpo (e a calá-lo para si própria), hoje, felizmente existe um movimento em direção a derrubar velhos tabus em relação à saúde feminina. No Brasil, podemos ver esse movimento em mídias sociais, ligados, como dito anteriormente, ao ativismo e ao feminismo. Algumas profissionais de amplo alcance em mídias sociais servem de exemplo.


A @ginecologistasincera, de Santa Catarina, posta tanto sobre dúvidas comuns de ginecologia que recebe no consultório e na internet quanto se posiciona politicamente em tudo o que impacta a saúde e bem-estar femininos - como machismo estrutural, violência doméstica, Gaslighting (violência psicológica), pedofilia, estupro, capacitismo, entre vários outros temas. Um dos desafios da conta e outras semelhantes - recomendamos também @valeska.modesto.saudedamulher - é desmistificar preconceitos dos próprios profissionais da saúde, que muitas vezes reproduzem padrões antiquados e, sim, ancorados no machismo estrutural. As próprias seguidoras da conta relatam experiências com médicos, denunciam violência obstétrica e se abrem sobre temas que antes ficavam fechados apenas entre as paredes dos consultórios e salas de emergência.


Outra conta que discute a saúde feminina de maneira bem ampla é @vaginismotemfim. Duas sexólogas derrubam mitos e esclarecem dúvidas em relação ao vaginismo. Relatam motivos psicológicos a fisiológicos – o vaginismo pode ser resolvido, em grande parte, em fisioterapia – e derrubam velhos mitos (“é só relaxar”, “é frescura” etc.). Também devemos destacar as fisioterapeutas que explicam e indicam a fisioterapia pélvica como meio não só de melhorar os vários aspectos da vida sexual e reprodutiva feminina – um exemplo de profissional ativa online é a @fisiolah, de Campinas-SP – mas na vida cotidiana das mulheres, por exemplo, ao ter a musculatura pélvica flácida, uma mulher pode ter escapes de urina ao espirrar ou tossir.


Por fim, mas não menos importante, a obstetrícia é outro campo da medicina que tem tabus desmontados, gradualmente, mas em plena evolução. Uma busca por partos humanizados, normais, é crescente. Partos naturais e cuidado holístico com o corpo da parturiente são cada vez mais estimulados. Essa nova obstetrícia também se refere a voltar a tempos antigos e recuperar uma sabedoria feminina, por isso, as doulas são cada vez mas requisitadas para acompanhar partos - a busca pelas medicinas tradicionais é muito importante no movimento Wellness. Bem como entender a diversidade das mulheres, seus corpos e suas culturas corporais. Todos esses exemplos apontam para uma maior consciência e cuidado das mulheres e outras pessoas com vagina com o próprio corpo.


Agora o que isso tem em relação ao mercado? Tudo! O mercado responde com soluções pelas quais o público demanda, pede e deseja. Com isso, as mulheres querem outras formas de resolver seu dia-a-dia com seu corpo. Sendo assim, a concepção de corpo está se transformando, e as necessidades de como vivenciá-lo também.




Wellness e empoderamento: exemplos

O mais fácil aqui seria começar pelas empresas que fazem moda fitness que promovem o wellness, neste caso, os produtos tentam ser minimamente sustentáveis e o discurso, a comunicação, é que realmente fala de wellness, enquanto as peças de roupas para práticas esportivas seguem dentro de padrões que já conhecemos inovando em materiais (como linho, algodão ecológico, tecidos reciclados etc.). Por isso, buscamos por empresas que corajosamente saíram do discurso e deram exemplos de soluções inovadoras e que estão alinhadas com os valores das mulheres empoderadas do nosso Brasil.


A menstruação é um aspecto da saúde feminina recheado de tabus. Apenas recentemente se tem começado a falar de maneira mais livre e aprofundada sobre o tema. Aliada a sustentabilidade, soluções não-descartáveis como os copos menstruais, calcinhas absorventes e absorventes que podem ser reutilizados ganham cada vez mais adeptas. Falar sobre o ciclo que ocorre mensalmente no corpo de uma mulher, é algo cada vez mais, e desmistificado. E que ganha novas soluções e serviços.


No Brasil, as marcas Pantys e Herself saíram na frente com um produto apropriado para quem, culturalmente, esta acostumado a absorventes externos. Ambas, iniciadas em 2017, entenderam o descontentamento das consumidoras com o que já havia de existente no mercado (caros, desconfortáveis e nada sustentáveis absorventes convencionais). Embora os produtos de ambas as marcas custem R$90 em média, muito é justificado no comparativo entre o tempo de duração da calcinha (3 anos) e a quantidade equivalente de absorventes descartáveis que a cliente teria que comprar no lugar. A Pantys ainda tem outros produtos focados no Wellness feminino, como os sutiãs para amamentação absorventes e moda praia.


A Pantys também inovou na comunicação, estabelecendo novos parâmetros para as antiquadas propagandas de absorventes. Baseada 100% na internet - e onde mais encontrar as gerações Y e Z? - ela mostra mulheres com vários tipos de corpos. Não mais os clichês (mulheres andando na rua e sendo admiradas por homens ou praticando atividades ao ar livre com calças de cor clara…), mas sim mulheres confortáveis, em ambientes internos, de calcinha e camiseta, ouvindo música ou usando o computador. Em muitas imagens, essas mulheres estão juntas, entre amigas. Na demonstração de uso do produto, a cor azul do liquido derramado foi substituída por um liquido vermelho - e qual é o problema com mostrar algo parecido com o sangue menstrual, afinal? Isso tudo foi uma mudança na mentalidade das mulheres que as empresas de setor demoraram para acompanhar.



Ainda destacando uma outra iniciativa da Pantys, essa marca criou um kit para a primeira menstruação. Essa ideia é algo muito inovador, pois atende a ideia de não construir uma relação de medo e vergonha no jovem corpo de mulher que está se formando. Mas sim uma abordagem de felicitação, de boas vindas ao seu novo momento de vida.


A gigante Johnson & Johnson, por meio de sua marca Sempre Livre®, se une a Pantys e desenvolve a versão mais barata da calcinha absorvente que pode ser reutilizada. Demonstrando que os grandes players do mercado estão de olho nas soluções dadas por startups que resolvem de maneira eficiente as novas necessidades das consumidoras.


Uma das imagens da Pantys no Instagram.

Outras marcas cuidam de prover alternativas aos absorventes descartáveis, utilizando estratégias parecidas. A Korui oferece tanto calcinhas e coletores menstruais quanto absorventes de pano (ultracoloridos) que podem ser lavados e reutilizados. Bela Gil, que promove o lifestyle saudável e sustentável (wellness), também tem sua própria linha de absorventes e calcinhas reutilizáveis.


A grande varejista de moda Lojas Marisa, no inicio de outubro, com a motivação do Outubro Rosa, lançou um exemplo de campanha mais efetiva sobre a temática, a Marisa lançou o Sutiã do Recomeço. É um produto feito exclusivamente para mulheres mastectomizadas que usam prótese móvel, focada em seu conforto e bem-estar, e, efetivamente, na recuperação da auto-estima feminina.



Wellness feminino é conhecimento e consciência sobre o próprio corpo. Empodera as mulheres e muda sua visão sobre como elas querem estar e se portar socialmente. Isso muda diretamente seus desejos de consumo. Não nos esqueçamos: o consumo é uma atuação cultural das mais relevantes em nossa sociedade. Portanto, uma mudança comportamental exige novas formas do mercado lidar com essa realidade. Se a sociedade, de estrutura tipicamente patriarcal, quer manter as mulheres ignorantes e ainda se agarra a mitos, a informação disseminada por profissionais, o feminismo ativista nas redes sociais, a busca por uma vida sã e harmônica transforma o cotidiano, trazendo uma nova realidade em que as mulheres tem orgulho de seus corpos e da vida que nele pulsa.


Se vocês querem uma dica, deixamos, na verdade, provocações: De que maneira as empresas e marcas da indústria criativa, das mais variadas frentes, podem ajudar na autoconsciência do corpo para mulheres? Como ajudá-las a construir o seu próprio bem-estar?

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