Layla Mendes
Nós aqui da Tendere sempre falamos sobre design e suas diversas áreas de estudo e de aplicações. Sempre enfatizando a sua importância e discutindo sobre suas diversas aplicações. Afinal, para se manterem competitivas no mercado, as empresas precisam utilizar os preceitos do design, e de maneira correta, em toda a cadeia criativo-produtiva.
Muito se fala em design de produto, em design estratégico, etc. Mas você já ouviu falar em design biomimético?
Vamos explicar. Biomimética é a ciência que estuda as formas e composições da natureza; como são compostas as estruturas biológicas e quais as suas funções. Simplificando, o biomimeticista (profissional que estuda e aplica a biomimética) envolve a química, a física, a matemática, a biologia, a eletrônica e a informática para desenvolver estruturas e formas eficientes, com inspiração nas características funcionais dos elementos da natureza. Citando um exemplo bastante popular, o engenheiro suíço Georges de Mestral inventou o velcro, em 1948, a partir da observação de sementes de grama que possuíam espinhos e pequenos ganchos, e que se agarravam ao pelo do seu cachorro.
A biomimética é uma das ciências mais utilizadas no design, sobretudo, no design de produto. Aplicada ao design de moda, podemos falar, de uma maneira bastante abrangente, nos tecidos feitos de fibra sintética. As fibras sintéticas são fabricadas a partir de etapas do refino do petróleo, e inicialmente o seu objetivo era de possuir características semelhantes às fibras naturais, encontradas em grandes variedades na natureza.
Biomimética na prática.
Para contextualizar melhor o assunto, conversamos com o pesquisador Clecio de Lacerda. Ele é formado em Desenho Industrial pela Universidade Federal de Campina Grande, mestre em Design Industrial pela Universidade do Porto (em Portugal) e é doutor em Engenharia Têxtil pela Universidade do Minho (também em Portugal). Na sua pesquisa de doutorado, desenvolveu uma superfície têxtil para ser utilizada em materiais esportivos, inspirada no casco da cabra-montês. A cabra-montês é um mamífero que vive nas regiões montanhosas da Espanha e de Portugal, e o seu casco possui aderência, fazendo com que ele não escorregue nos terrenos montanhosos em que habita.
Lacerda observou que o casco da cabra-montês era constituído de fibras, e a partir da maneira como estas fibras estão organizadas, desenvolveu uma superfície têxtil com arranjo de fibras semelhante. A superfície têxtil foi utilizada na fabricação de luvas para goleiros de futebol, que passaram a ter uma melhor aderência à bola. O produto está sendo patenteado e já desperta interesse de diversas empresas do ramo esportivo.
Tendere: Como você iniciou seus estudos em biomimética? De onde surge o interesse em uma ciência tão complexa?
Clecio Lacerda: Se Inspirar na natureza, desde muito tempo, é um ponto de partida aos profissionais criativos. Acredito que desde os primórdios o homem imitou, mesmo que por analogia, as ações presentes na natureza, e isso podemos comprovar desde as artes até as ciências atuais. Acredito que este fator garantiu a sobrevivência da nossa espécie.
Para nós profissionais criativos, artistas e entre muitos outros profissionais, é possível ver a utilização da inspiração na biologia ou mesmo imitação, em muitas coisas presentes na nossa vida cotidiana. Caçar, pescar, proteger, armazenar... São diversos artifícios naturais que o homem se utilizou, observando a natureza.
A biomimética é o nome a uma área de estudo relativamente nova. A curiosidade na funcionalidade das coisas, mesmo como fator estético, é uma ferramenta de nós profissionais de projetos. Na natureza, acredito que tudo funciona perfeitamente! Isto é um fator de extrema importância, se compararmos a seres e sistemas não bem resolvidos, que há tempos já são fósseis.
Estudar a biomimética, imitar a natureza, é um contexto bastante interessante, diante do tipo de criação que estamos a fazer. A funcionalidade das formas e a estética natural é a primeira coisa que temos em mente.
Na biomimética contemplamos varias áreas de outros ramos. A diferenciação do contexto normal é uma análise mais minuciosa no contexto natural. Seja em macro, micro, ou nano escalas, observamos melhor, para melhor compreender os mecanismos da natureza, e o que dela pode nos ajudar nos inputs-outputs criativos.
T: Como é o mercado do design biomimético? Em qual tipo de empresa esse designer pode atuar?
CL: A biomimética, mesmo sendo uma ciência relativamente nova, já esta presente na nossas vidas desde muito tempo. No contexto industrial, temos diversos exemplos de produtos que possuem por base analógica a natureza, seja no contexto experimental ou presentes nos produtos cotidianos. Embalagens, tecidos, transportes, cosméticos, entre muitas coisas, tem a inspiração natural. O mimetismo biológico está presente no velcro de alguns acessórios, nas embalagens abre fácil, ou mesmo na telas econômicas de nossos tablets, além de muitos outros exemplos.
A biomimética é uma ciência livre, presente em diversos outros ramos das ciências, da engenharia à medicina, da arquitetura ao design, ou mesmo na computação. O biomimeticista, termo em português associado aos profissionais que trabalham com este tipo de ciência, em regra geral se aplica a todo tipo de profissional que desenvolve, para a melhoria ou resolução dos problemas cotidianos, a mimética da biologia.
Os designers biomimeticistas podem atuar de diversas formas; na elaboração de um vestuário, lembrando desde o primórdio da vestimenta como proteção, seja funcional, ou mesmo à relevância da estética no contexto social. O designer, nas mais diversas áreas criativas, pode ter a biomimética como ferramenta. Os acabamentos nas superfícies, por exemplo, super-hidrofóbicos (não adere óleos nem outros líquidos), superfícies self-clean (autolimpantes), ou mesmo hidrófilas (super absorventes a líquidos) são exemplos de produtos atuais com base do desenvolvimento mimético da natureza.
T: Normalmente as pessoas tendem, erroneamente, a associar o design apenas ao produto e sua aparência estética. Qual a sua opinião sobre isso?
CL: A estética é uma característica presente no produto independente do gostar ou não, independente do discurso: a forma segue a função X a função segue a forma. A estética funciona como uma característica a mais que, pode ser funcional ou não. Na natureza a estética é um fator de importância, algumas espécies e sistemas naturais se utilizam disto para sua sobrevivência, seja na defesa, reprodução, entre outras funções. Um exemplo prático a respeito da estética e produto, quanto à funcionalidade aplicada, é a camuflagem: aparentemente uma padronagem estética, mas que foi concebida para a funcionalidade como na natureza.
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